Luto na Educação: perda de educadores para a Covid-19 é dano irreparável aos amazonenses
Somente em 2021, o Amazonas já perdeu 120 profissionais da educação para a doença. São histórias e missões de vida que foram levadas e farão falta para sempre

Educar. O verbo que é encarado como uma missão por todos os trabalhadores da educação teve contornos trágicos durante a pandemia da Covid-19 em todo o país. Conforme levantamento do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado (Sinteam), o Amazonas perdeu, somente este ano, 120 profissionais para a doença. O número para a capital amazonense também impressiona: foram 42 profissionais mortos pelo novo coronavírus entre 2020 e 2021, entre professores e pedagogos, segundo a Secretaria Municipal de Educação (Semed).
A triste estatística inclui o trabalhador da rede pública estadual e municipal, o professor do ensino fundamental e médio Lenivaldo Carvalho Marques, que faleceu no mês passado, aos 47 anos, vítima do novo coronavírus. Educador há mais de 10 anos, ele deixou dois filhos e ainda uma neta. A esposa dele, a administradora Ádrian Marques, 42, faz questão de relembrar a trajetória profissional do marido, com quem foi casada por 26 anos.
Segundo ela, ele contraiu o vírus no início do mês de janeiro, quando trabalhava no período noturno na Escola Estadual Waldemiro Peres Lustoza, no bairro Compensa, zona Oeste de Manaus. Ela contou que até a semana do Natal e Ano Novo, ele esteve preenchendo diários e documentos na unidade escolar. Os sintomas apareceram no dia 4, mas foi no dia 10, que o estado de saúde dele se agravou, o que fez com que no dia 11, ele fosse hospitalizado.
Lenivaldo com a família. Foto: Arquivo Pessoal
“Nós, eu, ele e minha filha, ficamos gripados no dia 4 de janeiro. Até o dia 10, estava tudo bem. Ele tinha asma desde pequeno, mas estava controlada, ele fazia tratamento. No domingo, ele estava um pouco cansado, mas achou que era asma e não quis ir ao pronto socorro”, contou.
“Na segunda, dia 11, ele continuava cansado, conversei com ele e aceitou ir ao PS. Antes de sair, eu consegui medir a saturação e estava em 60 e a sobrinha dele, que é médica, disse para levá-lo urgente para o hospital com oxímetro no dedo. Quando saímos de casa, ele estava tonto, um amigo nos levou e dentro do carro, ele já não conseguia falar. O oxímetro foi no dedo e a saturação baixou para 37, foi quando me desesperei”.
No mesmo dia, o professor Lenivaldo Carvalho foi levado para a emergência onde precisou respirar com a ajuda de oxigênio. Já com os dois pulmões comprometidos, ele foi entubado no dia 12 de janeiro, quando faleceu em decorrência da doença.
“A sobrinha dele que foi para lá e me ligou por volta das 17 horas, ele já ia ser entubado. Pedi que ela o mandasse um beijo e dissesse que eu o amava. Às 18h, ela me ligou chorando, ela disse que a intubação tinha sido certinha, mas a pressão estava muito baixa e não estavam conseguindo controlar e mesmo assim eu disse: eu tenho fé no meu Deus”.
“Às 21h, me ligaram para eu ir para o hospital acompanhada de algum familiar. Ali, eu já sabia que ele tinha partido. Eu me desesperei, me revoltei, pois eu não acreditava. Fui para o hospital e o mesmo médico que o internou, ficou com ele até o fim. Não estava circulando mais a corrente sanguínea no corpo dele e ele teve uma parada cardíaca”.
“Ele amava a profissão”
O professor de geografia Lenivaldo Carvalho Marques atuava em três escolas em Manaus, conforme afirmou a esposa dele: Escola Municipal Antônio Moraes, bairro Monte das Oliveiras, zona Norte; Escola Estadual Letício de Campos Dantas, bairro Cidade de Deus, também na zona Norte e na Escola Estadual Waldemiro Peres Lustoza, no bairro Compensa, zona Oeste. Como profissional, Ádrian Marques afirma que ele era um professor dedicado e preocupado com os alunos.
Foto: Arquivo Pessoal
“Ele amava lecionar, tanto é que quando os alunos estavam dispersos e distantes, ele conversava com essas pessoas e também dava direcionamento quando eles não sabiam qual profissão seguir. Quando ele faleceu, eu recebi muitas mensagens de alunos dele que estavam consternados com a partida do Lenivaldo", destacou.
“Eu mesma não tinha conhecimento do quanto ele era querido, acredito que nem ele sabia. O Lenivaldo não foi só bom professor, ele foi um ótimo amigo. Ele se dedicou muito a essa profissão”.
Entre os sonhos interrompidos dele estavam o doutorado, viagens e outras realizações em família. “Desde quando ele morreu, o meu conforto é postar as fotos dele nas redes sociais, falar um pouco sobre ele porque muitos sonhos foram interrompidos. Todo início de ano, nós definimos nossos sonhos e nossas metas e ficou tudo para trás, dessa forma, eu prometi que eu ia levar o nome dele para onde nós fossemos”, finalizou.
Levantamento de Óbitos
De acordo com o levantamento feito pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado (Sinteam), 120 profissionais que atuavam em educação como professores, pedagogos, auxiliares administrativos, merendeiras, e outros, morreram em decorrência da Covid-19 apenas este ano.
“Nós perdemos inúmeros colegas trabalhadores em educação do Amazonas para o novo coronavírus, o que nos causou muita tristeza uma vez que nós alertamos que os grandes pesquisadores haviam dito que nós teríamos uma segunda onda, caso o Governo do Estado não tomasse algumas precauções como o não retorno das aulas presenciais”, ressaltou a presidente do Sindicato, Ana Cristina Rodrigues.
“Isso contribuiu muito para que tivéssemos essa segunda onda, tanto é que o número de trabalhadores em educação que tiveram suas vidas ceifadas em 2021 é muito expressivo, então é preciso que se tenha muita cautela e respeito à vida dos trabalhadores”, disse ainda.
Resposta das Secretarias de Educação
A Secretaria de Estado de Educação e Desporto (Seduc) afirmou, em nota, que a pasta está trabalhando com a notificação espontânea por parte dos familiares das vítimas. Segundo o órgão, até esta quinta-feira foram notificados à secretaria 102 casos de óbitos decorrentes de complicações de Covid-19. “Vale destacar que os óbitos são de notificação espontânea e só estão contabilizados casos especificados como Covid-19”.
E ainda ressalta que adotou as aulas remotas neste início de ano letivo como medida de prevenção à Covid-19 no ambiente escolar. Dessa forma, os profissionais podem trabalhar de casa no auxílio aos estudantes, sem necessidade de deslocamento às escolas. Além disso, a pasta afirma que segue disponibilizando a testagem gratuita àqueles que precisarem ou quiserem testar se foram contaminados. Outra medida adotada pela Secretaria de Educação são os conteúdos voltados para a saúde mental dos profissionais, que podem ser acessados pelas plataformas Saber+, Aula em Casa e Vivescer.
Já a Secretaria Municipal de Educação (Semed Manaus) reiterou que existe um grupo de trabalho o qual faz o monitoramento epidemiológico e realiza ações de prevenção para evitar a propagação do coronavírus nas escolas e na sede, reforçando o uso de máscaras e respeitando o distanciamento social dentro dos ambientes de trabalho.
“A Semed afirma ainda que está focada em manter a segurança de alunos, professores e familiares, e por isso, a volta das atividades presenciais nas unidades de ensino só deve acontecer quando a pandemia em Manaus estiver controlada, com um número menor de infectados”.